terça-feira, 24 de novembro de 2009

Existe um direito à moradia?

Norberto Bobbio, que faria 100 anos vivo fisicamente fosse, chamou esta fase de “era dos direitos”. Nunca se prodigalizou tanto o verbete “direitos”. Todos têm direitos, poucos se lembram de que têm também deveres.
Um dos direitos negligenciados pelos Poderes Públicos é o da moradia. O direito à moradia, assim como o direito à saúde, alimentação, à educação e à cultura, ao trabalho e à segurança, é essencial para que as pessoas tenham vida digna. E a dignidade da pessoa humana é o princípio norteador de todo o ordenamento brasileiro. A ele devem se subordinar a política e também as demais formas de harmonizar o convívio.
A proclamação desse direito à habitação consta de vários documentos internacionais. Constou da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da Declaração do Progresso e Desenvolvimento Social de 1969, da Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver de 1976, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986 e constou da Agenda Habitat de 1996.
Um aspecto negligenciado dessa pauta é a capacitação das pessoas para obter habitação e proteger e melhorar as moradias e vizinhanças. O que se vê, ao contrário disso, é o crescimento dos moradores de rua, a degradação ambiental perpetrada em núcleos de excluídos ou de baixa renda. A Agenda Habitat parece ter sido substituída por uma Agenda Caótica. O Município que pretenda se ajustar aos comandos normativos da Constituição e de todos os tratados, documentos e convenções internacionais – hoje com força de emendas à Constituição – precisa ser criativo nessa área.
O número de estudantes de nível médio e universitário cresce – ao menos em quantidade – e poderia ser despertado para essa realidade. Por que não estimular alguns grupos, de forma emulativa, a projetos de reurbanização, de recuperação de áreas degradadas, mediante concursos para remodelar núcleos já contaminados por moradias indignas?
Não é impossível fazer com que a juventude adote favelas, cortiços, palafitas e outras habitações incompatíveis com a condição humana. Com que exerça a criatividade para reduzir o número dos sem teto, conscientizando o morador de rua de que esse espaço é público e coletivo e não pode ser apropriado para residência de quem quer que seja. Não custa tentar, pois o quadro presente é verdadeiramente desalentador.

José Renato Nalini, desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium.

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